sábado, 28 de março de 2015

Direito de resposta... Avaliação classificatória é predatória

Participei de uma árida tarde de sexta-feira, esforçando-me para compreender como poderíamos ser mais massacrados do que já somos, ou melhor, como podemos colaborar com nosso próprio massacre, ajudando às avaliações externas a tornarem-se mais exigentes do que já são, numa suposta possibilidade de julgar, para além das Bancas e dos professores doutores que orientam seus "seguidores" o que seria uma "boa" dissertação e uma "boa" tese. A situação é tão dura que mesmo ouvindo argumentos sem referência ao contraditório, alguns dos crucificados pela baixa produção concordavam, faziam coro ao "punam-me com ardor" (deve ser efeito dos 50 tons de cinza, mas aplicados à área errada, eu acho), os argumentos circulavam entre: quando alguns chegam a 5, 6 e 7, precisamos colocar a cenoura mais para frente, para que o esforço tenha que se ampliar; os melhores orientandos de doutorado foram  orientados pelo professor desde a iniciação científica; ou ainda, o mestrado profissional é um mestrado de "aplicação", o mestrado acadêmico é de "produção de conhecimento novo" . Nesta lógica, morrem de ataque cardíaco, AVC ou doenças decorrentes da depressão, muitos que não a percebem.
A avaliação classificatória, insisto, é para ranquear, utilizar a competição para explorar, passar por cima e "antes" do outro, é predatória de quem ganha, porque vive no esgotamento (a cenoura cada vez mais para frente) e de quem perde, porque aceitou competir.
Outra face da mesma dor, é o caráter elitista das avaliações classificatórias, reforçado pela falsa ideia de que a classificação não tem suas cartas marcadas, a crença na "boa fé dos critérios". Ora, se eu digo que meus melhores orientandos são aqueles da iniciação científica, por consequência, nas seleções, deveríamos priorizar esta experiência e, priorizando esta experiência, as "chances", o "acesso à pesquisa" ficará sempre com os mesmos ("melhor" aqui significa os que tem mais facilidade, porque já são iniciados). Porém, em uma realidade em que poucos são os iniciados, trazer tantos outros para esta possibilidade que é a pesquisa (produção de conhecimento) tem muito valor, um deles expresso no significado político de democratização (e que as elites classificam - do alto de suas quíntuplas melhores condições de vida - como "desqualificação"), "melhor", aqui, pode ser entendido como aqueles que pela primeira vez estão iniciando o processo de uma pesquisa, uma outra possibilidade de conhecimento, com outras metodologias e rituais. A pesquisa é difícil, exige um tempo que a agência avaliadora não oportuniza e, portanto, faz-se o que é possível fazer, não o que gostaríamos, achamos necessário ou propusemos fazer, mas isto não pode ser visto como "não fazer pesquisa". A pesquisa no mestrado acadêmico de dois anos, é a pesquisa que é possível fazer, no mestrado acadêmico de dois anos, com estudantes iniciados e não iniciados em pesquisa (durante a graduação). "Melhor" aqui, precisa considerar o conjunto de profissionais que, pela primeira vez, iniciam o processo da pesquisa e são tensionados a realizarem uma dissertação em dois anos.
A avaliação classificatória não reconhece (sequer parcialmente) a discussão epistemológica sobre diferentes entendimentos do que é conhecimento (e conhecimento novo), sobre produzir conhecimento e sobre o caráter político da produção de conhecimento (seu compromisso social). Como não existe uma única forma de produzir conhecimento e de definição do que seja conhecimento, os grupos (de pesquisadores) que compartilham compreensões epistêmicas e práticas metodológicas são os responsáveis por trabalhar/compartilhar critérios de validade expressos em Congressos e Bancas, que reúnem seus elaboradores e iniciantes. Supor possível uma avaliação "supra-epistemológica" e "suprametodológica", que estivesse sobreposta aos doutores que constroem os campos seria um esforço inócuo (avaliar duas vezes com o mesmo critério) ou facista (desconhecer o que é diferente, obrigando todos a um único modelo).  
Exceto para aqueles que já têm dadas todas as condições, desde o berço, facilitadas e potencializadas pelas estruturas de centros de pesquisa produzidos pela pilhagem (recursos humanos, naturais ou financeiros roubados dos países em menor condição de "jogo científico"), a avaliação classificatória mais reforça a desigualdade e em nada nos orienta para uma prática científica mais humanizante.
A avaliação não precisa ser classificatória, e não pode ser classificatória, quando queremos que todos tenham um ótimo desempenho (o melhor desempenho possível, considerando-se as condições dadas), reconhecendo a história, o esforço e o desempenho de cada um e utilizando-a para colaborar com a melhora daquilo que se faz. Isto serve para pessoas, instituições e para Programas: melhorar o que se faz (por meio da avaliação), mas com princípios de democracia, solidariedade, justiça social.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Experiência, Transformação Social e Currículo Escolar: Contribuições De Paulo Freire



Compartilho publicação on line disponibilizada ontem, trata-se de um artigo que escrevi com minhas primeiras preocupações sobre a discussão da “experiência” do ponto de vista Freireano.
A Revista é do Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação, já provocativa no título “Das investigações às práticas”:
O artigo também pode ser visualizado em:

terça-feira, 17 de março de 2015

Nem só de dor de cotovelo se faz um 15 de março

Nem só de dor de cotovelo (eleitores de Aécio no segundo turno de 2014), idiotice (depoimentos e cartazes "femicídio sim"; "menos Paulo Freire"; a favor da intervenção militar; contra o Supremo Tribunal Federal; gente se dizendo de esquerda "porque tá contra a direita" e de direita porque "tá contra a esquerda", "medo" de Cuba e da Venezuela), falta de educação (camisetas com frases agressivas e baixarias das mais variadas), ódio ao PT, Lula e Dilma e histeria geral se alimentou o 15 de março. Os grupelhos que, se expostos a uma ditadura militar como alguns pedem, já estariam na cadeia (estuprados, torturados, mortos), também são financiados - pasmem - pelo suposto baluarte da liberdade, EUA (o mesmo que se sente altamente ameaçado pela Venezuela e acha bem certinho espionar Presidentes de outros países, notadamente com interesses políticos e, também, empresariais).  Leia o texto:
Quem banca a marcha golpista no Brasil
Fonte:
http://blogdotarso.com/2015/03/17/veja-quem-bancou-a-marcha-golpista-do-dia-15-de-marco/#more-25572

Um estudo etimo-sociológico do Coxinha...

O surgimento dos ‘coxinhas’

Por Sergio da Motta e Albuquerque em 03/09/2013 na edição 762 do Observatório da Imprensa
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed762_o_surgimento_dos_coxinhas
Os protestos iniciados em junho trouxeram com eles o emprego em massa de um vocábulo conhecido por descrever um petisco popular pouco saudável: a coxinha. Mas agora a palavra adquiriu novo sentido e eu demorei a entender com certeza seu significado preciso. A fala dos manifestantes trazia cada vez mais a meus ouvidos cariocas esta palavra que eu só conseguia entender pelo contexto: “coxinha” podia ser um adjetivo ou substantivo, a depender da situação, e referia-se a alguém meio tolo, ou conservador. Também ouvi falar do verbo “coxinhar”. Que se refere à atividade do “coxinha”, ou às ações de um. Mas isso foi pouco para mim e para muitos outros brasileiros.
O que é, afinal, um “coxinha”? O que é ser “coxinha”? O vocábulo, amplamente usado nos protestos, era um enigma para mim. Encontrei duas publicações que tentaram explicar o novo significado do velho e gorduroso petisco de botequim: ano passado, a Folha de S.Paulo (22/04/2012), em sua revista de domingo, fez uma boa tentativa. Começou com uma explicação de sua abrangência geográfica: trata-se de gíria paulistana. Para explicar o novo significado da palavra entrevistou pessoas que já tinham ouvido falar dela. Logo surgiu um consenso sobre o seu significado: “coxinha” é gente engomada, certinha, que segue a maioria. Gente convencional e conservadora, em suma.
Mas foi o diário Correio do Brasil (23/06) que apresentou a melhor explicação para o vocábulo que tomou conta dos protestos. O periódico não buscou somente a nova acepção da palavra, mas sua relação com os protestos. Juntou o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:
“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer engraçado ou bom moço.”
Símbolo do amadurecimento
O vocábulo parece ter sua origem nos pobres “almoços” dos policiais nos anos de 1980, que recebiam vales-refeição tão desvalorizados que acabaram apelidados de “vale-coxinha”. Com o tempo, policial e coxinha tornaram-se sinônimos. Os programas policiais no rádio e na TV acabaram por estender o novo significado da palavra a todos aqueles preocupados com a segurança acima de tudo.
Mas por que os coxinhas agora tornaram-se tão notórios? Por que acabaram mais visíveis à sociedade neste momento de protestos? O Correio do Brasil explicou:
“Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer crítica.”
Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano: “Ele não aparecia, portanto não poderia ser criticado ou ridicularizado”, explicou o periódico. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e diferenciada.
Acomodados pedantes
Os protestos de junho em diante expuseram os coxinhas à população brasileira. Narcisistas, incapazes de identificação com o próprio povo, movidos pela necessidade de diferenciação, a teoria de Thorstein Veblen, norte-americano, economista, sociólogo e mentor de Jean Baudrillard, explica em parte esses “cidadãos diferenciados”. Para Veblen, os seres humanos são guiados por necessidade de diferenciação e distinção. Vicente de Paula Faleiros, em seu livro A política social do Estado capitalista (1987, Cortez), comentou o sociólogo norte-americano:
“O homem atua por emulação e pelo desejo de se evidenciar entre os demais. Desta maneira, as classes superiores se distinguem das classes trabalhadoras pelo evidente ‘não-trabalho’. O lazer, a moda, o consumo ostensivo são todos meios para se distinguir.”
Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.
Distinção do resto da população é a meta e a vida dos coxinhas. Por isso, o desprezo aos protestos do povo. Eles estão bem longe do mundo de onde vem a maioria daqueles que protestam. E querem deixar isso bem claro. É apenas justo que agora eles caiam no ridículo aos olhos de muitos. Porque a gente brasileira finalmente acordou e os coxinhas lá no fundo sabem que não passam de acomodados pedantes, e não farão parte das mudanças que virão para um país que já não tolera candidamente os abusos dos poderosos.
***
Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor
Os protestos iniciados em junho trouxeram com eles o emprego em massa de um vocábulo conhecido por descrever um petisco popular pouco saudável: a coxinha. Mas agora a palavra adquiriu novo sentido e eu demorei a entender com certeza seu significado preciso. A fala dos manifestantes trazia cada vez mais a meus ouvidos cariocas esta palavra que eu só conseguia entender pelo contexto: “coxinha” podia ser um adjetivo ou substantivo, a depender da situação, e referia-se a alguém meio tolo, ou conservador. Também ouvi falar do verbo “coxinhar”. Que se refere à atividade do “coxinha”, ou às ações de um. Mas isso foi pouco para mim e para muitos outros brasileiros.
O que é, afinal, um “coxinha”? O que é ser “coxinha”? O vocábulo, amplamente usado nos protestos, era um enigma para mim. Encontrei duas publicações que tentaram explicar o novo significado do velho e gorduroso petisco de botequim: ano passado, a Folha de S.Paulo (22/04/2012), em sua revista de domingo, fez uma boa tentativa. Começou com uma explicação de sua abrangência geográfica: trata-se de gíria paulistana. Para explicar o novo significado da palavra entrevistou pessoas que já tinham ouvido falar dela. Logo surgiu um consenso sobre o seu significado: “coxinha” é gente engomada, certinha, que segue a maioria. Gente convencional e conservadora, em suma.
Mas foi o diário Correio do Brasil (23/06) que apresentou a melhor explicação para o vocábulo que tomou conta dos protestos. O periódico não buscou somente a nova acepção da palavra, mas sua relação com os protestos. Juntou o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:
“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer engraçado ou bom moço.”
Símbolo do amadurecimento
O vocábulo parece ter sua origem nos pobres “almoços” dos policiais nos anos de 1980, que recebiam vales-refeição tão desvalorizados que acabaram apelidados de “vale-coxinha”. Com o tempo, policial e coxinha tornaram-se sinônimos. Os programas policiais no rádio e na TV acabaram por estender o novo significado da palavra a todos aqueles preocupados com a segurança acima de tudo.
Mas por que os coxinhas agora tornaram-se tão notórios? Por que acabaram mais visíveis à sociedade neste momento de protestos? O Correio do Brasil explicou:
“Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer crítica.”
Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano: “Ele não aparecia, portanto não poderia ser criticado ou ridicularizado”, explicou o periódico. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e diferenciada.
Acomodados pedantes
Os protestos de junho em diante expuseram os coxinhas à população brasileira. Narcisistas, incapazes de identificação com o próprio povo, movidos pela necessidade de diferenciação, a teoria de Thorstein Veblen, norte-americano, economista, sociólogo e mentor de Jean Baudrillard, explica em parte esses “cidadãos diferenciados”. Para Veblen, os seres humanos são guiados por necessidade de diferenciação e distinção. Vicente de Paula Faleiros, em seu livro A política social do Estado capitalista (1987, Cortez), comentou o sociólogo norte-americano:
“O homem atua por emulação e pelo desejo de se evidenciar entre os demais. Desta maneira, as classes superiores se distinguem das classes trabalhadoras pelo evidente ‘não-trabalho’. O lazer, a moda, o consumo ostensivo são todos meios para se distinguir.”
Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.
Distinção do resto da população é a meta e a vida dos coxinhas. Por isso, o desprezo aos protestos do povo. Eles estão bem longe do mundo de onde vem a maioria daqueles que protestam. E querem deixar isso bem claro. É apenas justo que agora eles caiam no ridículo aos olhos de muitos. Porque a gente brasileira finalmente acordou e os coxinhas lá no fundo sabem que não passam de acomodados pedantes, e não farão parte das mudanças que virão para um país que já não tolera candidamente os abusos dos poderosos.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor
Os protestos iniciados em junho trouxeram com eles o emprego em massa de um vocábulo conhecido por descrever um petisco popular pouco saudável: a coxinha. Mas agora a palavra adquiriu novo sentido e eu demorei a entender com certeza seu significado preciso. A fala dos manifestantes trazia cada vez mais a meus ouvidos cariocas esta palavra que eu só conseguia entender pelo contexto: “coxinha” podia ser um adjetivo ou substantivo, a depender da situação, e referia-se a alguém meio tolo, ou conservador. Também ouvi falar do verbo “coxinhar”. Que se refere à atividade do “coxinha”, ou às ações de um. Mas isso foi pouco para mim e para muitos outros brasileiros.
O que é, afinal, um “coxinha”? O que é ser “coxinha”? O vocábulo, amplamente usado nos protestos, era um enigma para mim. Encontrei duas publicações que tentaram explicar o novo significado do velho e gorduroso petisco de botequim: ano passado, a Folha de S.Paulo (22/04/2012), em sua revista de domingo, fez uma boa tentativa. Começou com uma explicação de sua abrangência geográfica: trata-se de gíria paulistana. Para explicar o novo significado da palavra entrevistou pessoas que já tinham ouvido falar dela. Logo surgiu um consenso sobre o seu significado: “coxinha” é gente engomada, certinha, que segue a maioria. Gente convencional e conservadora, em suma.
Mas foi o diário Correio do Brasil (23/06) que apresentou a melhor explicação para o vocábulo que tomou conta dos protestos. O periódico não buscou somente a nova acepção da palavra, mas sua relação com os protestos. Juntou o sociólogo Leonardo Rossato e o professor de português Michel Montanha, que elaboraram uma “análise sociológica” do coxinha e apresentaram uma hipótese sobre sua origem:
“Coxinha, sociologicamente falando, é um grupo social específico, que compartilha determinados valores. Dentre eles está o individualismo exacerbado e dezenas de coisas que derivam disso: a necessidade de diferenciação em relação ao restante da sociedade, a forte priorização da segurança em sua vida cotidiana, como elemento de “não-mistura” com o restante da sociedade, aliadas com uma forte necessidade de parecer engraçado ou bom moço.”
Símbolo do amadurecimento
O vocábulo parece ter sua origem nos pobres “almoços” dos policiais nos anos de 1980, que recebiam vales-refeição tão desvalorizados que acabaram apelidados de “vale-coxinha”. Com o tempo, policial e coxinha tornaram-se sinônimos. Os programas policiais no rádio e na TV acabaram por estender o novo significado da palavra a todos aqueles preocupados com a segurança acima de tudo.
Mas por que os coxinhas agora tornaram-se tão notórios? Por que acabaram mais visíveis à sociedade neste momento de protestos? O Correio do Brasil explicou:
“Até algum tempo atrás, eles não tinham essa necessidade de diferenciação. A diferenciação se dava naturalmente, com a absurda desigualdade social das metrópoles brasileiras. Hoje, com cada vez mais gente ganhando melhor e consumindo, esse grupo social busca outras formas de afirmar sua diferenciação. Para isso, muitas vezes andam engomados, se vestem de uma maneira específica, são ‘politicamente corretos’, dentro de sua noção deturpada de política, e nutrem uma arrogância quase intragável, com pouquíssima tolerância a qualquer crítica.”
Engomados, bons moços, preocupados em acentuarem suas diferenças do resto da sociedade, inimigos da crítica... Acabaram ridicularizados pelo restante da sociedade. Antes dos protestos, eles só eram visíveis em São Paulo. Coxinha era fenômeno tipicamente paulistano: “Ele não aparecia, portanto não poderia ser criticado ou ridicularizado”, explicou o periódico. O coxinha, paradoxalmente é um símbolo do amadurecimento da nossa sociedade, concluiu o jornal: a sociedade brasileira amadureceu porque a estrutura de classes sociais tornou-se mais complexa e diferenciada.
Acomodados pedantes
Os protestos de junho em diante expuseram os coxinhas à população brasileira. Narcisistas, incapazes de identificação com o próprio povo, movidos pela necessidade de diferenciação, a teoria de Thorstein Veblen, norte-americano, economista, sociólogo e mentor de Jean Baudrillard, explica em parte esses “cidadãos diferenciados”. Para Veblen, os seres humanos são guiados por necessidade de diferenciação e distinção. Vicente de Paula Faleiros, em seu livro A política social do Estado capitalista (1987, Cortez), comentou o sociólogo norte-americano:
“O homem atua por emulação e pelo desejo de se evidenciar entre os demais. Desta maneira, as classes superiores se distinguem das classes trabalhadoras pelo evidente ‘não-trabalho’. O lazer, a moda, o consumo ostensivo são todos meios para se distinguir.”
Distinção, moda, lazer e consumo conspícuo realmente fazem parte do universo dos coxinhas. Só encontro um problema com esta explicação: ela naturaliza uma condição humana que na realidade é produzida socialmente. Ou seja, os coxinhas são coxinhas porque adotam um determinado sistema de crenças e valores compartilhado por outros iguais. Não são coxinhas porque a natureza os fez assim. Eles escolheram ser o que são.
Distinção do resto da população é a meta e a vida dos coxinhas. Por isso, o desprezo aos protestos do povo. Eles estão bem longe do mundo de onde vem a maioria daqueles que protestam. E querem deixar isso bem claro. É apenas justo que agora eles caiam no ridículo aos olhos de muitos. Porque a gente brasileira finalmente acordou e os coxinhas lá no fundo sabem que não passam de acomodados pedantes, e não farão parte das mudanças que virão para um país que já não tolera candidamente os abusos dos poderosos.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor

A democracia brasileira precisa superar o facismo

Citando Henrique Fontana:


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As manifestações e a necessária estabilidade para as reformas no Brasil

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É preciso reconhecer e respeitar o direito democrático das manifestações, sejam elas contra ou a favor de governos. Como disse a presidenta Dilma, isso não nos causa nenhuma estranheza. Lutamos muito. Foram muitos presos, mortos e torturados para que os brasileiros pudessem sair às ruas para se expressar livremente em um regime democrático. São, e devem ser, da natureza da democracia.
Por isto, repudiamos totalmente manifestações que pedem o retorno da ditadura militar ou de tentativas de golpes institucionais, como o impeachment, sem base legal ou fato que o justifique.
As manifestações ocorridas no Brasil, tanto as de apoio como as que criticam o governo da presidenta Dilma, apresentam pelo menos dois pontos em comum: combater a corrupção e fazer a reforma política.
A reestruturação do sistema político começa exatamente na forma de financiamento: é preciso proibir imediatamente a contribuição empresarial em todas as eleições e aos partidos políticos a qualquer tempo, definindo como crime o uso de Caixa Dois. Precisamos nos mobilizar para aprovar esta mudança estrutural do sistema eleitoral no Congresso Nacional, uma medida urgente de moralização e de qualificação da democracia brasileira.
A presidenta Dilma tem uma história de vida e de atuação política irrepreensíveis quanto à honradez e honestidade. Sempre se pautou pela defesa de um projeto de Nação mais justo, com distribuição de renda e em defesa dos mais altos interesses nacionais, como mostrou - dentre outros momentos ao defender junto com o presidente Lula - a mudança do sistema de exploração do petróleo do Pré-sal, o que evidentemente contraria muitos interesses.
Desde o início do seu governo a Polícia Federal, o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União – montada e estruturada durante os governos Lula e Dilma - têm total autonomia para investigar e denunciar casos de corrupção, seja onde for ou com quem for. Não há como negar.
Nos próximos dias o governo anunciará mais um pacote de medidas para combater a corrupção no serviço público, na política e no meio empresarial onde haja corruptores. Como está ocorrendo na Operação Lava Jato, em que talvez pela primeira vez na história, se vê tantos e importantes diretores de grandes empreiteiras do país presos por envolvimento com corrupção.
O Governo está atento às manifestações e aberto ao diálogo com toda a sociedade. Apesar de alguns setores mais conservadores infelizmente desejarem soluções autoritárias e antidemocráticas, o Brasil e a presidente Dilma saberão dar as respostas necessárias para que o país responda à crise econômica, promova o desenvolvimento de toda a sociedade e defenda os que mais necessitam.
O país tem todas as condições de dar continuidade ao combate à corrupção, punir com rigor as ilegalidades, fazer as reformas necessárias, entre elas a Reforma Política com proibição de contribuições empresariais nas eleições, gerando um sistema político mais democrático e transparente.
Precisamos e devemos manter o país estável, respeitando o direito de debate de todos. Mas assegurando que a economia brasileira continue garantindo empregos e a curva positiva de melhora do salário e renda dos brasileiros e brasileiras. Combater a corrupção, sim! Instabilidade política e econômica, não!
Ao longo dos últimos 12 anos as ações do governo garantiram que o Brasil alcançasse o melhor nível de emprego e o maior processo de inclusão da sua história recente. Isso tem muito valor. Por isso precisamos preservar esses valores que permitem continuar crescendo e gerando emprego e renda para todos os segmentos sociais.
Fonte: http://www.henriquefontana.com.br/henriquefontana/noticias/item?item_id=2114608 

domingo, 15 de março de 2015

Textos que você precisa ler

Mino Carta, ele, sempre ele, o ótimo ele:
http://www.cartacapital.com.br/revista/841/o-pais-insensato-5570.html

Hildegard Angel, que sabe o que é viver em uma ditadura
Hoje eu acordei chorando

Sérgio Gabrielli, ex presidente da nossa Petrobrás, competência técnica aliada à competência política
O interesse por trás ao ataque à Petrobrás

Retomando a "elite" que está nas ruas

Eu vejo três problemas:
1. Necessidade de terapia - por muito tempo (alguns desde o nascimento) foram criados em uma família que lhes fez olhar apenas para o próprio umbigo, repetindo antes de dormir "eu sou o centro do mundo", "eu sou o melhor", "eu tenho mais valor que qualquer pessoa!", "existem os ricos, que trabalham, e os pobres, que não trabalham, são burros e sujos, gente que está no mundo para servir, mas que tem que ser obrigada a isto, porque é mal acostumada". Como o mundo não é assim, existem momentos em que o desejado não é alcançado e em que os outros (vistos como os sujos, pobres e burros) se apresentam fora do perfil esperado e se atrevem a ocupar espaços lado a lado, na universidade e nas empresas, isto gera uma tremenda angústia, decepção ("quem deixou isto acontecer?", "como pode? Investimos tanto na educação de nossos filhos para isto?"). Quando o mundo real não se encaixa nas expectativas das pessoas comuns, lidamos com o conseguir e o não conseguir agora, quem sabe na próxima eleição; ficamos tristes, reclamamos um pouco, mas a vida segue e vamos estudar e trabalhar mais para quem sabe, no futuro, conseguirmos o que queremos. Quem foi criado como se fosse mais que os outros não aceita isso, sente ódio, apela para violência, rebela-se na defesa de um mundo (de privilégio) que se apequenou, diminuiu o seu espaço. Dai porque é problema a ser resolvido com terapia - aprender que o mundo não existe apenas para lhe servir.
2. Falta de informação - Se vc só ouve as grandes mídias, as "reportagens" que não possuem espaço para mais de uma posição (pequenas, sem histórico, sem debate de ideias e posições, que tratam um problema como se fosse ele em si, sem relação com outras questões que possam mostrar a complexidade de cada situação/caso em suposta análise), você acaba com a sua "cabeça teleguiada" por um mundo pequeno, que só vê o imediato, acha, por exemplo, que a crise no Brasil é só no Brasil, que as ações da Petrobrás baixaram apenas pelas denúncias, tem gente tão mal informada que acha que o preço do petróleo baixou por causa da "corrupção na Petrobrás", relaciona coisas que não têm relação, criando um mundo "fantástico". É preciso deixar de ler a "mídia golpista" (por que não traz o contraditório, porque se fartou de dinheiro à custa de sonegação e manobras entre a própria elite buscando saciar-se de dinheiro e poder, muito dinheiro e muito poder). É preciso ler outras fontes para entender o minguado, frágil e pequeno mundo [ "Caros amigos"; Le mond Diplomatique Brasil", "Carta Capital", entre muitos outros]. 
3 - Falta de educação - Você pode ter 5 graduações, 10 especializações, estudado onde quer que seja, isto não lhe assegura ter 'educação'. Educação é você não vaiar, numa abertura de Copa do Mundo, em um país respeitado no mundo inteiro, a sua presidente. É não chamar uma mulher (qualquer mulher) de "vaca", É você se dar ao respeito e se comportar com respeito para com o idoso (na fila, no banco do ônibus), para com crianças e mulheres, é respeitar a opção sexual do outro, combater atitudes de racismo, machismo, xenofobia. Saber ouvir o outro, discordar (da política de bolsas, das cotas, da busca da igualdade racial e de gênero, do aborto e do que mais vc quiser), mas se dar ao respeito e respeitar o outro que discorda de você e saber que existem normas, regras, formas de conviver que se baseiam no respeito ao outro e não na força ou na sua vontade individual. Educação tem relação com caráter. 

sábado, 14 de março de 2015

Lançamento do livro "Educação Pública no Rio de Janeiro: novas questões a vista"


 

Organizado por Ana Maria Cavaliere e Antonio Jorge Gonçalves Soares, o livro, Editado pela Mauad terá seu lançamento em 24 de março de 2015, às 19h30min, na Blooks Livraria.
Praia de Botafogo, 316.
O livro será vendido no local por R$ 48,00.